Quando criança, pensava em ser grande, queria construir uma bela carreira como bombeiro, depois como policial, depois como agente secreto. Teve interesse, aos 9 anos em ser cantor de axé. Aos 11, todos diziam que ele era muito inteligente, e que provavelmente seria médico ou engenheiro. Quando chegou na adolescência, queria ser músico, cantor de rock ou guitarrista. No ensino médio derivou para as ciências humanas, não conseguia entender a gravidade e as ligações de carbono. As Leis de Newton eram ótimas e ele prometia que as obedeceria, desde que não tivesse que calcular a tangente de nada. Quando chegou no momento do vestibular, já havia se dado conta que a profissão pouco importava, o que vale é a bufunfa. E, ela, não gosta de quem trabalha. Até, porque, quem trabalha não tem tempo de ganhar nem de gastar. O dilema trágico, ser profissional naquilo que me encanta e desafia ou ficar rico. Na dúvida, optou por conversar com um amigo do pai, vereador antigo na cidade. Conseguiu uma vaga na assessoria da secretaria de urbanismo. Conhecido pelo secretário, fazia o curso de administração à noite, mudou para direito por orientação do mesmo. Aprendeu que garrafas de uísque podem agradar e muito, arranjou um canal direto de Miami. Em um ano, era o pupilo do secretário e do dito vereador. Salário gordo, frequentava diversas reuniões com ternos alinhados e com um carro novinho. Gentileza do pessoal da reforma da ponte. Aos 26 anos, depois de 6 anos parado na mesma secretaria, lançou-se a vereador, o apoio foi dado pelo secretário e pelo vereador (que agora era candidato a prefeito). Seu gabinete já estava pronto, 6 meses antes da eleição. 2 amigos, a sobrinha do futuro prefeito a irma de sua namorada e um amigo do secretario. Em seu bonito sítio fez uma bela churrasqueira, na maravilhosa edícula. Ali comemorou o aniversário de 5 anos da filha. Ali, também, comemorou o aniversário de 60 anos do pai. Os 40 anos de casado do prefeito, em seu segundo mandato. Após 14 anos como vereador, candidatou-se a deputado estadual, com amplo apoio do secretário, agora Diretor da secretaria estadual de urbanismo. Durante a campanha, sua esposa e sua sogra escolheram um belo apartamento na capital. Escolheram também boas escolas para as duas crianças. Seria difícil no começo, pois, teria ainda que viajar semanalmente para o interior, atender as bases (e a amantezinha na cidade vizinha). Consagrou-se realmente, quando virou deputado federal, esteve envolvido em duas CPI, como parte investigativa, claro. Os bens haviam crescido. Além das casa e da fazenda na cidade natal, dois apartamentos na capital do estado, para ele e sua família e outro para os pais e sogros. Idem em Brasília. Sócio de 5 clubes 3 na capital e dois em Brasília, maçom, frequentador da igreja ao domingos, bom de conversa, exímio churrasqueiro, homem de mediações políticas, não acumulou inimigos, pelo contrários, garantiu bons acordos nas CPIs. Projetos políticos? Leis aprovadas? Lutas de interesses? Não, não gostava de estresse. Era pessoa tão boa que manteve os funcionários de todos os gabinetes, municipal, estadual e federal empregados enquanto assumiu a diretoria do Ministério de Desenvolvimento para ajudar o agora Ministro Antigo Secretário. Uma carreira brilhante, por fim. Depois de 30 anos dedicados a política, acumulava sua segunda aposentadoria, além do salário de deputado federal e de diretor do ministério. Tinha também uma bonificação extra, mas essa ele repassava para dois assessores que tratavam de seus interesses em São Paulo. Nunca se ouviu seu nome atrelado a corrupção, nem ao favoritismo. Sempre achou que o Brasil caminhava bem, aliás, não entendia porque tanta balbúrdia nos últimos tempos.