Como sempre, a ausência do leitor é a garantia de impunidade do escritor.

Segue um conto infame, escrito a toque de caixa.

Certa vez na praça de uma cidade distante dois homens conversavam. Pareciam entretidos pela conversa, estavam de tal forma hipnotizados pelas palavras um do outro, que nem perceberam a mudança no vento.

Não era possível ouvir suas palavras, então não sei do que tratavam. Mas, percebi sem dificuldades os parcos cabelos grisalhos de um deles levantar com o vento. Foi uma lufada rápida e fria, levantou o tudo prateado de cabelo, que foi rapidamente alisado pela mão branca, manchada.

A conversa continuou como se o vento, agora presente no diálogo, não tentasse roubar as palavras de suas bocas. Com o vento chegaram as nuvens, pareciam um batalhão de soldados negros trazendo más notícias. Logo chegaram as primeiras gotas. A conversa não parou.

Da porta do bar, eu olhava os dois homens, curioso com a hora em que correria começasse. Mas, para minha surpresa, e dos colegas de bar que chamei à porta, os dois não levantaram. Nós entramos mais fundo no bar, fugindo da água que desabava do céu. Os homens não se mexiam. As roupas mudaram de tom, encharcadas. O frio fazia seus queixos tremerem e as mãos rosearem. A conversa não cessou. Eu também não fui embora.

Depois que a noite assustou um pouco da chuva. Os dois se separaram. Um suave abraço de cavalheiros punha fim à conversa que nem as tempestades podiam abalar.

O mais moço e mais careca dirigiu-se ao bar. Sentou e, atordoado, pediu algo para beber. Naquela terra, bebesse pinga.

Os que haviam restado por ali pediram explicação. Queria justificativas para o que haviam visto. Para a molhadeira.

O homem riu, desenxabido, cabeça baixa e sacudindo de uma lado para outro, parecia não acreditar na tarde que havia passado. Tomou mais um trago, parecia o primeiro de muitos. E começou a falar.

“Não gosto de mentiras. Mas essa era sobre uma mulher tão linda que tive que ouvir até o fim. Já ouvi muito causo de mulher. Mas de uma tão linda assim eu nunca tinha ouvido”.

“Como era linda”, cotinuou antes do silêncio.

“Mas era de mentira? Não era?”, perguntou um dos pouco que não haviam se afastado bufando.

“Era! Mas ela era tão linda que quase consegui toca-la”.