Numa tentativa vã de sair por cima daquela situação, dona Ifigênia chorava como se fosse a vítima das fofocas que ela própria tinha plantado. Estavam todos reunidos no salão de festas do prédio, pais, crianças, síndico e a pobre viúva. Bradava entre soluços que a culpa era daquelas vizinhas do andar de cima que a deixavam enlouquecida com seus barulhos e tamancos, dizia que o problema eram as crianças do parquinho que gritavam e riam alto junto ao balancinho, e que o grande mal do condomínio era a moradora do sétimo andar com aquelas saias indecentes e a mania de tomar banho de sol com aquele biquíni minúsculo. Que toda essa balburdia só podia ser coisa de moças desqualificadas e de crianças mal-educadas, nunca uma viúva de respeito como ela. E que ela só fazia isso para manter a moral e os bons costumes no edifício. Mantê-lo um prédio de família.

Os vizinhos se entre olhavam sem saber o que fazer. Que situação aquela…

Tudo havia começado no fim do ano, dona Ifigênia convidou seus filhos e filhas para passar a virada em sua casa. Um de seus genros, um pouco passado na bebida, resolveu soltar um 12 tiros da varanda às três horas da manhã. Dona Ifigênia mora no primeiro andar, deu-se um rebu de gente saído correndo do edifício, até bombeiro chamaram. Os doze tiros explodiram na altura do quinto andar, parecia que o prédio todo desmoronava.

A vizinha do quinto andar era muito amiga de Ifigênia, costumava, inclusive, acompanhar seus fofoques e suas especulações sobre a vida alheia, mas depois daquele dias, revoltada com a traição sentida com os fogos, resolveu contar aos vizinho o que se passavam nas tarde de chá no apartamento da Ifigênia.

A partir desse dia, as moças não tiravam mais os fones para cumprimentar Ifigênia no elevador. As crianças gritavam mais alto no parquinho e a moradora do sétimo andar rebolava mais do que nunca. Queixas contra as pequenas falhas de dona Ifigênia, até então relevadas pelos moradores, começaram a pipocar no livro de registros. E, até o dia da reunião, dona Ifigênia pagara pelo menos duas multas.

Dona Ifigênia nunca devolvia o carrinho de compras, ouvia TV muito alta, estacionava o carro muito fora da vaga da garagem, fumava na varanda e, pasme, costumava varrer o pó de casa escada de serviço abaixo. Nunca separava o lixo reciclável, não cumprimentava os porteiros. Também surgiram registros bastante estranho sobre sessões de mesa branca, acorridos nas sextas-feiras depois das onze da noite.

Sobre essas sessões espíritas, diziam os boatos que os moradores do décimo primeiro andar compareciam em peso para ouvir os conselhos do falecido marido de Ifigênia e de mais um santo que psicografava através da senhora do 1404. Depois dessa queixa, devidamente espalhada pelos porteiros a alguns moradores estratégicos, as crianças passaram a chamá-la de bruxa, as jovens a chamá-la de macumbeira e os adultos a temer seus poderes místicos.

A reunião se deu a pedido do casal que também mora no primeiro andar, e que não sabia de nada, mas saiu de casa, num dia da semana passada, e deu de cara com um sapo morto com a boca cheia de arroz em sua porta. Coisas de criança ou coisa da velha macumbeira? Na dúvida, reunião de condomínio.

Bom, daí vocês imaginam como foi a reunião. Acho que todos já assistimos pelo menos uma história dessas na vida…