Naquela sexta feira de sol, estava toda a humanidade ralando, até os vadios ralavam de tanto vadiar. Todo mundo trabalhando, o sol lá fora, e todo mundo ocupado, o vento fresco, quase frio, convidando para uma caminhada no parque, e todo mundo com hora marcada. O sol parecia paciente no céu, esperando o fim do expediente e todo mundo corria, terminar seus afazeres a tempo de, pelo menos, dizer um adeus para o grande rei.
Todo mundo ralando menos eu,. Eu olhava pela janela da minha sala, no alto do prédio a correria na rua. Cuidando com o chimarrão, e olhando o sol passar pela minha cabeça e a de todo mundo que ralava. O sol me olhava diferente do que olhava para os outros. Para o mundo era um olhar de convite, de sedução, como um “venha me curtir”, mas para mim, um olhar que me culpava.
Eu sabia que era o único desocupado capaz de poder curtir o sol naquela sexta-feira, eu sabia que era o único representante da humanidade com liberdade de poder curtir e celebrar aquele sol. E o olhar solar me culpava por não sair da cadeira, da janela, da música, do chimarrão…
Cheio de culpa, mas saboreando o poder de dizer não para o sol, eu não conseguia olhar nos seus olhos, sabia da dívida que eu estava criando. Curtia a agonia dos ocupados correndo na calçada, ouvia o vai e vem dos carros e do elevador do prédio. Conseguia sentir a vontade de todos de correr com suas tarefas e fugir para o sol. Curtia a raiva do sol com o meu desprezo, curtia a angústia de sua impotência frente a minha resoluta decisão de não curti-lo. Não hoje.
Foi chegando o fim da tarde e o sol, derrotado, fraco, foi se apagando. As pessoas corriam mais a cada raio de sol que se apagava. Eu percebia a pressa, a fúria e o furor crescerem. O barulho nas ruas era quase papável e o vento, antes fresco, começava a ficar gelado. Minha soberba, meu orgulho, minha alegria aumentavam a cada grau de escuridão no céu. Este sol foi derrotado, seu chamado de liberdade foi derrotado. Minha indolência e petulância venceram: “Não sou obrigado a ‘curtir’ o dia!”.
Da minha janela pude saborear a escuridão tomando o azul do sol, a sombria noite fria somava-se ao trânsito próximo do infernal. Ônibus e mais ônibus se atulhando em frente ao prédio, tomando a rua, carros e motos dividiam as frestas, ampliavam os ruídos com suas músicas e escapamentos.
O sol se foi. Amarelo pilantra. Passou o dia atentando os ocupados. Lembrando cada um deles que a praia devia estar ótima, que o Barigui estaria lindo. Pilantra. Agora que todos estão livres vão ter que se contentar com o amarelo das lâmpadas e as cores da TV. Maldito amarelo radiante. Amanhã é sábado e você não virá. Amanhã que todos estaremos livres você não virá. Amarelo tentador de uma figa!
Já olhei na sua agenda climática, você, amanhã, será SUBSTITUÍDO pelas nuvens. Você estará de folga. Nós, os ocupadosde hoje, apesar de eu nem tanto, ficaremos sedentos, aflitos, enjaulados em casa.
Mas não sou egoísta, minha liberdade de hoje foi gasta em honra dos ocupados, sem ceder as tentações do sol, eu também não curti, também não aproveitei, não cedi ao tirano amarelo que nos tenta às liberdades em dias úteis e ocupados e nos abandona em dias de descanso desocupado.
Maldito amarelo e quente, você não me convenceu a traia meus irmãos ocupados.