Certa vez, em algum lugar entre Alexandra e Matinhos, entrei numa daquelas ruelinhas de chão que saem do lado direito da pista e sobem em direção a serra do mar. Entre grande árvores, virei a direita e segui o caminho, três bifurcações para a direita, depois três para a esquerda. Depois de uns 25 minutos com algumas bifurcações sempre nessa sequência, muitos buracos e algumas paisagens, decidi parar para pedir informações. Era uma choupana caindo aos pedaços, telhados remendados, restos de latão fechando as frestas, algumas galinhas cacarejando. Mas em geral essas pessoas também falam português, então não me ative a isso. Bati na porta e esperei. Após uns 5 minutos ouvindo passos para lá e para cá dentro da casa, uma velha senhora abriu a porta. Trazia na mão uma chaleira fervendo, um monte de vapor corria da panela para fora do batente da porta. Tive uma vontade de rir, não me contive, rir na cara dela. Velha esquisita!!! Ela deu um sorrisinho e pergunto do que eu ria. Prontamente afirmei, fiquei impressionado com a sua figura e o local aonde vive. Ela me esticou o dedo do meio e perguntou o que eu queria. Disse que queria saber onde estava. Fiquei pasmo com a resposta: “você atravessou um portal interdimensional e agora está em minha dimensão”. Fiquei atônito com a resposta e, antes que eu pudesse reagir, ela começou a rir. “Se perder? Volte pelo caminho que veio, não devem ter passado outros carros e o caminho estará fácil de ver”. Recolhi minha petulância que rolava pelo chão. Mas, mesmo assim, tirei um monte de fotos da casa e do lugar. Marquei minha localização no gps. Liguei o carro e parti. Para minha surpresa, a medida em que rumava para a rodovia, o caminho no gps se apagava. De noite, em casa fui olhar as fotos e não havia nenhuma na câmera. Resolvi que no fim de semana seguinte voltaria para lá e faria uma nova visita com foto. Quando o fim de semana chegou, comprei chá, um bom pão caseiro, uma geléia e mais umas coisas pro lanche. Carro ligado, botina na estrada, confiei na memória e, novamente, lá estava a estradinha. Como da outra vez, entre grande árvores, virei a direita e segui o caminho, três bifurcações para a direita, depois três para a esquerda, segui essa sequência (que a essas alturas já parecia um feitiço) e, 25 minutos depois, lá estava a casa. Bati na porta, passos, porta abre, velha abre porta (sem chaleira), olha para mim e pergunta: “de novo?”. Respondi, trouxe chá e um lanche. Ela riu de novo: “achou que iria viajar para outra dimensão? São 10hs da manhã. Não quero nada disso. Tire as fotos que precisa, se quiser água a da bica é boa.” Não esperou eu responder, fechou a porta e sumiu pra dentro de casa. Fiquei intrigado: “o que que essa velha faz no meio do mato?”. Zanzei um pouco por ali e fui, como que fotografa, me dirigindo para os fundos da casa. Um galinheiro, roupas estendidas num varal de madeira. Um cheiro de comida no ar. Caminhei um pouco por ali e vi, pela janela, que ela cozinhava algo. Pensei imediatamente naquelas bruxas que cozinham crianças, fazem feitiços com elas. Ela me viu pela janela, sorriu, e mostrou o dedo do meio. Aquilo era o fim dela. Descobriria tudo sobre ela. Vaguei mais um pouco e me dirigi novamente à porta, bati. Ela sorriu e mandou entrar. Entrei, claro. A casa de uma pobreza ímpar, colchão velho em uma caba de pés de tijolos. Meia dúzia de móveis remendados. Procurei um lugar para esconder as crianças, cheguei a arrastar o pé no chão batido para tentar achar calabouços escondidos. Percebendo minha curiosidade e procura, ela disse: “o que você que? Desembucha guri!”. Respondi que estava curioso, que queria saber o que e o por que de ela viver ali, tão longe de tudo. Ela me confessou que, por muitos anos foi professora em Alexandra. Numa escolinha municipal. A aposentadoria era pouca, pequena mesmo, ruim para viver. E, ao mesmo tempo, nada lhe havia sido deixado pelos que passaram em sua vida. Então, conseguiu, na época da aposentadoria, compra o terreno de 5000m² no qual tinha a casa. Na panela, um milho (com cara de duro) e uns pedaços de galinha. Ela dividiu ambos comigo. Claro, fez questão de que a conversa se estendesse para se enfiar na sacola de comida que eu havia trazido para o lanche.
A velha bruxa
por Raul de Freitas Buchi | mar 29, 2016 | Autoconhecimento, Português | 0 Comentários