Numa tarde como essa, de um dia qualquer, de uma semana qualquer, de um mês qualquer, de um ano qualquer de uma década qualquer, de uma era qualquer, um sujeito qualquer (que não sou eu e não vem ao caso identificar), enquanto tomava banho, olhou para fora de sua casa através da pequena janela do banheiro e pensou: “Putz, hoje vai ser um dia especial”. Claro, nós já sabemos que era um dia qualquer, mas o pobre coitado, engando por seu severo otimismo, pensou que era um dia especial. Enxugou-se, saiu do banho, vestiu-se. Tomou seu café, arrumou seu material de trabalho e saiu. Chamou o elevador, esperou um pouco, entrou, apertou o botão do térreo e pensou: “hoje é um dia especial, a vizinha do sétimo andar há de entrar no elevador com aquele macaquinho de ginástica”. Dito e feito, tratando se de um dia qualquer, entrou a vizinha do sétimo andar, a velhinha dona Sônia, ela adorava descrever rápida, mas pormenorizadamente as lavagens intestinais que fazia três vezes ao ano para alinha os chacras. Depois de uma descida de elevador nauseante entrou em seu carro, tirou-o da garagem e pegou estrada a caminho do trabalho. Claro, como em um dia qualquer, o engarrafamento alinhava-se com a tangente entre a terra e o sol, percorrendo mais de 10 anos luz, e, não há musica no carro que nos distraia desse inferno. Mas, para um sujeito qualquer, carregado de um otimismo quase imbatível, a imaginação vagueia e o tempo passa. Então nosso admirável Fulano pensou: “vai dar tempo de comprar um pão de queijo e tomar um cappuccino”. Preciso dizer, chegou a tempo e comprou o cappuccino e pão de queijo. Saiu da panificadora assobiando a 9ª de Bethoven. Passou em frente à banquinha, leu a capa da Tribuna e pensou: “Sempre tem uma gostosa na capa”. Sempre tem, mas sujeito, e a chamada: “Mãe traficante mata doze filhos usuários a facadas para vingar dívida de tráfico: filho mais novo evangélico presencia o crime, mas tem medo de testemunhar”. Sobe ao seu escritório e na entrada do prédio faz um minuto conversando com o porteiro, esperando a advogada do nono andar. Como ela é pontual, ela chega, e é claro, apesar do calor que emana dos corpos, os dois conversam sobre o clima. Mas, o sujeito qualquer, otimista como se amanhã fosse fazer sol, mesmo estando em Guaratuba, pensou: “Um dia ela vai me dar mole”. O dia de trabalho corre bem, como corre para um sujeito qualquer, trabalha um pouco e, quando começa a render e pegar ritmo, para e vai tomar um café. Na hora de sair, espera primeiro o elevador para no nono para depois chama-lo, sempre pensando e balançando o corpo empolgado: “isso é melhor que loteria, será ela vai estar”. Quando o elevador para e abre a porta, ela não está, mas, o sócio conversador e abusado está. Falam sobre os candidatos a governo e sobre como o povo que escolhe vota nesses políticos, tem os políticos que merecem. Essa ladainha moralista continua por um tempo determinado pelo tempo do elevador. Nosso(digo nosso, porque acho que alguém lerá o conto) sujeito qualquer pega seu carro, entra na fila de carros do engarrafamento e vai pra casa. Otimista como sempre, deixa para ir ao mercado às sete da noite pensando que não vai ter fila. Claro, como o mercado é um mercado qualquer, tem fila! Chega a sua casa, feliz por estar cansado (otimistas são otimistas), e como é de se esperar, pensa: “o cansaço representa um longo dia de batalha, fico feliz de estar cansado”. Orgulha-se de si. Prepara seu macarrão achando que vai ficar delicioso, mas, como um macarrão qualquer, ele fica grudento mal-educado depois que esfria um pouco! Depois de comer vai olhar o movimento na rua qualquer que passa em frente ao seu prédio e vê a vizinha do sétimo chegar pela calçada. Como todo otimista qualquer, ele é estranho, sai correndo chamar o elevador para forçar um encontro. Ele pensa: “deve estar suada e quente, hoje eu falo com ela”. Ela, mas mais do que claro, sobe por um elevador e ele desce por outro. A vida é curiosa e, com os otimistas ela é quase sínica, quando ele vai subir de novo, a velhinha do nono, que já quase nem anda sozinha, da um pique de cinquenta metros, mais rápida do que o Usan Bolt, e pega o elevador com esse sujeito qualquer. De noite, com seu pijama cheiroso, deita na solidão de seu travesseiro e, banhado por seu otimismo inspirador, começa a pensar que amanha vai ser um dia especial. Imagina seu encontros , seus trânsitos, seus mercados, suas vizinhas. Imagina seus mundos como mundo que nunca serão. Banhado desse otimismo não escuta aquela voz de fundo, insistente e realista que repete incessantemente: “somos todos sujeitos quaisquer em um mundo qualquer”.