Nessa história de estar longe por um certo tempo, algumas coisas se tornam engraçadas: sempre pensei nos grandes filósofos e pesadores que, durante seus períodos sabáticos, tiveram tempo para aprimorar ou terminar suas grandes obras. Comigo, claro, não é assim. Estou hospedado fora da cidade de Zürich, em um vilarejo pequeno. Daqui, em hum mile novecentos e navio a vela, partiu meu bisavô, com minha vó no colo, para construir uma terra de futuro promissor. Mal podia imaginar o pobre coitado, o que faríamos com a terra prometida. Bom, mas chegando no sobrado do século XIX em que me hospedaria, um choque, não havia WIFI. Todos que me conhecem sabem da minha predileção pelas redes sociais e, principalmente o Instagram. Como ele só pode ser acessado pelo Smatphone, nada de instagram. Um certo tédio, misturado com tremores pelo corpo se instalou. Mas, a dona do quarto viajou por uma semana e eu fiquei usando a internet via cabo, confortável no pequeno escritório que tenho no grande quarto. Revisando o alemão, corrigindo erros de português nas minhas aulas e, como sempre, lendo muito e caminhando muito. Passou-se a primeira semana. Depois de uma semana fora, ela retorna, e minha primeira pergunta “ warum haben Sie nicht a WIFIhub?(foi bem de soquinho, quase como um polaco da Barrreirinha)”(Por que a senhora não tem wifi?). E a resposta foi a mais assustadora possível. Preciso dizer que eu esperava algum tipo de resposta lunática: “ as ondas do wifi modificam as ondas cerebrais”, ou algo similar. Mas, não foi, o que ela disse foi simples e contumaz: “weil die Wifi menschliche Beziehungen zerstört.” (Porque o wifi as relações humanas destrói). Bom, nesses dias em que ela ficou fora, já havia percebido que estava mais produtivo com minhas leituras, mais concentrado e, por vários dias fiquei sem bateria e esqueci o celular em casa sem ter palpitações. Então, no almoço de ontem sentamos juntos na mesa, e, como eu não posso deixar de raulzar as relações a minha volta, puxei o assunto. Para surpresa da minha arrogância tão típica, tive a certeza de que ela estava certa. Ela me contou que tem o BnB (bad and breakfast) há vários anos, quase duas décadas. E que, esse lugar sempre foi o espaço para desconhecidos conversarem, baterem papo. Sempre foi um lugar acolhedor para que as relações humanas pudessem iniciar e frutificar. Mas que, por algum tempo, teve um aparelho de wifi, mas que isso a deixou muito triste pois os clientes, ao invés de interagirem, ficavam em seus aparelhos portáteis visitando amigos imaginários. Eu corrigi “vituais”, e ela fez uma pergunta mortífera: “qual a diferença?”. Ela disse que a diminuição da interação das pessoas foi muito assustadora e imediata. Aqui, no BnB, há uma farta biblioteca em inglês e alemão. E que, segundo ela, sempre foi muito utilizada, mas que depois que colocou o wifi, por meses, a biblioteca não foi nem visitada. Há, também na comunidade suíça, uma preocupação grande em relação a isso. Posso explicar inclusive a partir da minha própria experência. Umas das coisas mais charmosas daqui é andar de trem, saindo da estação central de Zürich existem viagens de trens que vão de 5km (Stadelhofen), 11km (Erlenbach, onde estou hospedado) e até Londres (1000km de distância). E o suíço médio, esse que anda de trem e não de Alfa Romeu e Ferrari, costumava ser um leitor contumaz. Não importando o tamanho da viagem, não importando a idade, o sexo, a cor, a religião, o suíço costuma entrar no trem e ler. Abrindo o jornal, abrindo uma revista, um HQ, um livro… Meu susto, após a conversa com a querida senhora, reparei que os trens estão tomados pelos smatphones e que, em diversos lugares da estação, existem cartazes de ONGS sugerindo que os celulares fiquem nos bolsos e que os livros sejam retomados. O suíço trocou os livros pelos aplicativos sociais. A Suíça é uma das maiores exportadoras de mão de obra especializada do mundo. Já era assim na idade média com os Besteiros e Lanceiros, e continua ainda hoje: médicos, engenheiros, físicos, todos formados nas grandes universidades daqui. E isso é uma preocupação atual com o futuro próximo. O decréscimo na qualidade dos alunos nas escolas, a quantidade de jovens que não vão mais para o ensino médio normal (caminho para a Universidade), mas sim para o “aprendiz” (ecola de profissões), tem deixado as autoridades escolares preocupadas. E, como são aficionados por estatística, conseguem traçar três linhas do tempo: aumento no número de smartphones, diminuição das notas escolares e da venda de livros. Tornando, aparentemente, nefasta para o desenvolvimento intelectual e afetivo, a presença do smatphone. E isso é tão sério que, depois de 10 dias sem Wifi, voltei a escrever no meu blog, abandonado desde a chegada do meu primeiro Smarphone com acesso a redes sociais. Fico curioso para saber, que livro você leria se o Whatsup, o facebook e o pinterest te dessem essa liberdade?