Os sentimentos andam sombrios, então as histórias acabam acompanhando este clima.

A criança tinha pouco mais de dez anos quando levou a primeira pedrada. Levou e não deixou por menos, revidou. A pedra foi na testa do vizinho. Ficaram vários dias com bandagens na cabeça, os dois moravam na mesma vila e pegavam o mesmo ônibus, todos os dias fingiam que não se viam. Podiam tropeçar um no outro, mas não se falavam, nem se olhavam.

Quando passaram uns três meses, ele levou a segunda pedrada, essa doeu mais foi na barriga. Depois de brigar no futebol e bater no menino maior, o menor fugiu, durante a perseguição, o pequeno catou uma pedra enorme e jogou. A pedra foi bem alta e, na parábola o enganou e foi direto o estômago. Ficou rolando e levando uns chutes. Depois nem lembrava dos chutes, a pedrada ganhou toda fama.

A terceira pedrada não tardou. Mais ou menos uma semana depois, chegou em casa do futebol, treinava todas as tardes, foi entrando em casa e viu o jardineiro sair pela janela do quarto da mãe. A mãe, nua, começou a acusar o assalto, ele fingiu que acreditava, não contou ao pai sobre a nudez da mãe. Anos depois, na separação dos dois, preferiu morar com o pai. A mãe nunca perguntou o por quê?

A quarta pedrada demorou a chegar. Já passava dos trinta anos, as pedradas anteriores ainda doíam como se tivessem sido ontem. Ele passava com a caminhonete novinha sob a passarela novinha que a prefeitura havia construído sobre a nova estrada intermunicipal. Ele não viu quem jogou, nem mesmo viu a pedra, só ouviu o estouro do vidro e a teia de vidro se desfazer sobre seu rosto. As mãos se soltaram do volante tentado proteger o rosto. Os pneus se desgarraram do asfalto tentando cambalear o carro, pareciam lutar junto com o motorista. O barranco ficava mais fundo a cada pulo e sobressalto da caminhonete. A árvore não se mexeu.