Acordando 4 horas antes do que costumava acordar aí, acabo sempre usando a manhã para profundas reflexões. Hoje, estava eu, aqui sentado, tentando imaginar quantas horas da minha vida gastei vivendo vidas que não eram minhas. Explico, não pensando em quantas vezes me preocupei com a vida de outros viventes, essa é, em partes minha profissão, cuidar da vida alheia. Minha reflexão era sobre elementos menos materiais: personagens de livros, filmes, séries, novelas, etc.. Por muitos anos, a diva da minha vida foi a Gabriela Cravo e Canela do Jorge amado. A grande diva da pele cor de canela e o perfume de cravo. Também, em crime e castigo, passei dois ou três meses angustiado com as escolhas do Raskolnikóv. Friends, a série de Sony que depois passou para Warner, vixi, tínhamos hora para chegar em casa. Vidas que nem existem de fato. Estava contabilizando quantos personagem de Salman Rushide me envolveram e alteram meu humor, meu jeito de viver por alguns meses. Cem Anos de Solidão, com seus Arcádios, Aurelianos e Buendias. Outro, mágico, me consumiu meses de existência no conflito Terras x Cambará. Um dos melhores retratos do Brasil: Oligarquias lutando entre si, enquanto o povo que se foda. Capitão Rodrigo e Ana Terra. Nenhum, mais do que Jubiabá: Jorge Amado do recôncavo baiano, botando para baixo com um personagem saído de uma miséria generosa, para morrer no vazio de mais uma existência perdida. Me lembrei, também da novela Roque Santeiro, senhor Zinho Malta tem até página no facebook. “mistérios da meia-noite”. Voltei tanto no tempo, que cheguei a coleção Vagalume: escaravelho do diabo e o deus me livre! Teve, também, aos meus 8 anos, uma HQ de uma menina que sonhava que as ruas de São Paulo viravam rios e ela navegava por elas em sua cama. Além disso tudo, tinham ainda os personagens dos vídeos games: começaram com um bonequinho pixelado pulando por cima de poças e jacarés. Evoluíram para o um caça f16, depois um jogo de tiro 3d fantástico chamado Duke Nuken e se irmão mais sofisticado DOOM, jogava até meus pais me colocarem pra fora de casa para jogar bola (no tempo de 1990 isso era possível). Agora, nem consigo desligar o vídeo game, cada vez que ligo. São melhores que o mundo real. Quantas horas gastas acertando o tempo da fita cassete para gravar as entradas certas do LP’s. Quantas noites na 91 Rock para gravar o LP na íntegra, ouvir um Show gravado 20 anos antes. Adoro dizer que no meu tempo não tinha Livraria Cultura nem Netflix. Tínhamos a locadora e os sebos, que até hoje frequento uma vez por mês com a filhota. Nunca terminei “Sobre tumbas e heróis”, do Ernesto Sabatto. Foi muito tempo imerso em vidas que não são minhas.
Sobre tumbas e heróis
por Raul de Freitas Buchi | mar 11, 2016 | Autoconhecimento, Português | 0 Comentários