Não só o aviso proibido estacionar não serviu para absolutamente nada como, ainda por cima, roubaram a placa. Mas ele era um incansável ordenador do mundo, cada coisa em seu lugar, cada criatura com seu igual, como um Noé desesperado, tentando organizar seus animais em uma canoa de um troco só. Claro que, sendo assim, só lhe cabia morar com a mãe, uma velha fedida e ranzinza que, lava latas de sardinha e as guardava para fazer carrinho quando os netos viessem. Nenhuma alma viva conseguia ou se dava ao trabalho de conviver com os dois. Na última vez que saíram para janta, mãe e filho, arranjaram briga com o gerente da pizzaria: Ela queria as latinhas restantes das pizzas de aliche, ele, obcecado com a caída das cortinas, passou o jantar realinhando as mesmas. Conseguiram irritar os garçons e, mediante alguns conflitos que até a mais sórdida realidade duvidaria, foram retirados do restaurante aos berros. O que assustou os passantes foi, ao fim da gritaria, a velha dizer: “mas… e as latinhas”. Moravam em um terreno entre dois prédios pequenos numa das vias rápidas. Um condomínio popular a esquerda e um predinho de cinco andares na esquerda. Quando da construção dos prédios, propostas foram feitas e recusadas. Hoje, difícil tirar o carro da garagem, vivem na sombra e andam a pé. Mas, isso não irrita. O que irrita é a relação da guia rebaixada com os carros estacionados. Sendo de pouco uso para os peculiares proprietários, a entrada da garagem serve de circulação temporária dos moradores dos dois prédios e, de moradia noturna para casais desalojados de seus motéis, mas não de seus automóveis. Quando a frente da casa não é das criancinhas é da fodelança noturna. Empenhado em por ordem no mundo, fez uma placa em cobre. Entalhada a mão, um belo símbolo de proibido estacionar, do tamanho da metade superior da metade esquerda do portão, a peça era enorme. Cobre de alta qualidade, mas inútil, além de não espantar o desembarque das vans escolares e das senhoras caronistas, ainda por cima os casais desabrigados passaram a usá-la como apoio das costas nos amassos mais fervorosos. Cobre, nessa cidade, é igual a crack. Segundo a PM, a placa até durou bastante, dois meses. Ouveram, antes do roubo, algumas ofertas de compras. Dois artistas plásticos ofereceram pequenas fortunas por tão detalhada e bela peça de arte. Diziam ser de um realismo profundo, uma obra emocionalmente urbana. Mas, era só um sinal de ordem. Sinal de uma ordem ausente. Bom, virou pedra. Virou paranoia na cabeça de crackeiro. Não havia duvida disso. Pelo menos até ontem não havia, hoje eu não sei. Diz a Madalena, vizinha do prédio popular à esquerda, que a placa está no MASP. A prima dela, que vive em São Paulo e é metida a intelectual, disse que viu a placa lá. Exposta no Hall principal, com o nome de um artista de Curitiba. Eu duvido. De qualquer forma, ontem a ambulância parou em frente a casa, nesse lugar que deveria ser proibido estacionar e que, agora, não é mais porque não tem placa de cobre. Os socorristas entraram e tiraram de lá um saco preto com alguém dentro. Ninguém entrou nem saiu da casa, então ninguém sabe quem morreu: A velha das latinhas ou o arrumador de cortinas. Amanhã meu sobrinho vai trazer o binóculo e, como estou de folga, vou tentar descobrir quem foi. Não saíram nem pro enterro.