Já escrevi dezenas de vezes nesse blog: a vida é sofrimento.
Não é uma questão de pessimismo ou otimismo, é uma questão de realidade. O caminho natural da vida é a senescência do corpo e da mente. Se nada for feito em contrário, esse efeito se dá em 40 dias por falta de comida, em 7 por falta de água ou em 5 minutos por falta de ar.
O empreendimento da vida
Desse ponto de vista, a vida é um empreendimento contínuo. Um movimento voluntário e incessante na direção da manutenção e permanência do estado vivo da matéria. E, com um dos poucos seres vivos sabidamente conscientes de sua condição, de suas necessidades e objetivos, os seres humanos também são dos poucos que assumem a responsabilidade sobre a manutenção de suas próprias vidas, de forma individual ou coletiva.
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Assim sendo, para que se cumpram as responsabilidades ligadas à manutenção e expansão do estado da vida, tarefas precisam ser executadas. Um check list infinito que, nos primeiros momentos da vida é cuidado pelos responsáveis pela criança, e depois, como o treino certo, ela passa assumir (ou deveria assumir) cada uma dessas tarefas.
Pela forma que a vida humana se organizou, inicialmente em função do espaço cultural, hoje em dia em função do capital e do espaço cultural, a manutenção do estado vital não depende só dos cinco elementos básicos: comer, dormir, evacuar, beber e respirar. Mas, sim, atrela-se também a elementos mais complexos: saber ler, escrever, contar, falar, usar o cartão e saber acessar a conta on-line.
A vida super atarefada
Transformamos os períodos sazonais de caça e coleta e um ininterrupto resolver de pequenas, burocráticas e redundantes tarefas diárias. Desde coisas absolutamente simples e importantes, como conferir o despertador (ahhhh!!!! não é do seu tempo), até tarefas de magnitudes inimagináveis, como fez o governo chinês que comprou 9 bilhões de carne de frango do Brasil de uma só vez.
A quantidade de pequenas e grandes tarefas que precisam ser executadas diária, semanal, mensal e anualmente é gigante. Ela é tão grande que nosso cérebro aprende rapidamente a executar a maioria delas sem que nem tomemos grande consciência desses processos. Boa parte das tarefas mais mecânicas são realizadas por puro condicionamento, sem que precisemos pensar ou gastar energia extra para resolvê-las.
Se por um lado, o cérebro se responsabiliza por processos mecânicos e repetitivos. Por outro lado, podemos dedicar essa energia para as tarefas mais complexas ou que ainda não estão 100% condicionadas.
Portanto, no fim da equação não nos resta muita coisa. E, seja para o prazer ou para a dor, todas as tarefas exigem uma somatória de pequenas tarefas para serem concluídas: para lavar a louça é preciso ligar a água, por detergente na esponja, esfregar prato por prato e enxaguar. Mesmo que você tenha uma máquina para facilitar o processo, é preciso organizar a louça lá dentro.
Então, cada tarefa, ou cada pequeno objetivo que precisa ser alcançado é, na verdade, o desenvolver, ou pode ser desmembrado em um monte de pequenas tarefas que, juntas alcançam ou formam essa tarefa maior.
O ponto de vista psicológico
Podemos colocar isso em termos mais psicológicos e dizer que, um comportamento final é resultado de diversos comportamentos antecedentes, escadeados em uma determinada ordem de resultados.
Isso parece óbvio e ululante. Mas, como esses processos se desencadeiam automaticamente, na maior parte das vezes, acabamos por perder essa perspectiva.
Em momentos de cansaço, depressão ou de desconforto frente às tarefas, tendemos a mentalmente desmembrar cada uma das subtarefas até que nos pareça uma rede de intermináveis atividades. Fazendo com que tudo fique mais difícil, pesado e longo.
Em momentos rotineiros, tendemos a passar por tudo sem prestar muita atenção e, quando vemos, o dia já acabou e a vida vai passando em branco.
Assim, acabamos em um dos gumes da faca, ou somos assoberbados pela visão assoberbante da realidade, ou passamos batidos por ela.
Os grupos de auto-ajuda
Passei muito tempo da minha em contato com os Alcoólicos Anônimos. Fiz muitas palestras para os grupos e A.A. e para outras entidades parceiras de A.A.. Para isso, li e estudei muito a vasta, realista e funcional literatura usada por esses grupos de autoajuda. Na literatura de A.A. encontramos um recurso muito útil: os lemas de A.A..
São um compêndio de pequenas sentenças que formam um conjunto de valores e crenças que gradativamente, na medida de sua repetição e prática na vida, vão substituindo as crenças e valores disfuncionais que levaram o indivíduo a bancarrota.
As frases são absolutamente simples e funcionais: “um dia de cada vez”, “cada coisa ao seu tempo”, “só por hoje”, “uma coisa de cada vez”, “primeiro as primeiras coisas”, “o segredo está na próxima reunião” etc. Quase todos os lemas levam a uma relação mais realista e presente com a vida. Tirando o indivíduo de uma vida excessivamente mental e ansiosa e encaminhando o para experimentar de forma mais aconchegante e confiante a realidade presente.
Os dois lemas que cabem bem nesse texto são: “uma coisa de cada vez” e “primeiro as primeiras coisas”. Entender e aceitar que qualquer tarefa é realizada a partir da somatória de infinitas tarefas menores que vão sendo realizadas sequencialmente. Mas, perceber também que, essas micro tarefas também são compostas de infinitas nano tarefas, pode ser uma faca de dois gumes se não houver a clareza de que precisa se fazer “uma coisa de cada vez” e que, “primeiro as primeiras coisas” devem ser feitas.
A vida não é fácil
Viver não é uma atividade fácil em si. Quando desmembramos essa mega atividade em suas macro tarefas, em tarefas e micro tarefas do dia a dia, a ansiedade, o medo e o próprio desânimo resultante da constatação do tamanho do esforço e tempo que será necessário para realizar tudo isso, podem nos levar a uma perspectiva não muito positiva da vida.
A perspectiva sufocante da realidade nos levar para a desistência. “Não vou dar conta”, “não vale a pena”, “para que tudo isso?”, “onde isso vai me levar?”, “de nada vale”.
Um breve exemplo
Durante o período de faculdade, eu tive uma professora, psicóloga que repetia frequentemente: “depressão: qualquer viagem para Paris cura uma depressão. Ninguém é deprimido me Paris”.
A realidade não podei ser mais diferente. Infinitas vezes acompanhei pacientes com depressão que procuravam viajar para tentar aliviar um pouco a sintomatologia depressiva. Mas, a lista de tarefas atrelada a uma viagem, mesmo que curta ou para as proximidades, fazia com que o lazer do passeio se tornasse um tormento: “preciso resolver as passagens”, preciso achar um hotel”, “terei que fazer as malas”, “não posso esquecer de…”, “não sei como fazer com o carro no aeroporto”, “não terei ninguém me esperando na volta”, “terrei que levar duas malas por causa do clima”. Ufa” Que canseira.
Nem quando emigrei para Suíça, tive uma perspectiva tão pesada em relação às tarefas. Tente fazer primeiro as primeiras coisas. Quais são as coisas mais importantes ou urgentes? Vamos começar por elas.
Passagens: “Meu deus! Tenho que ligar para a agência e checar as datas” – Certo, mas faça uma coisa de cada vez.
O Hotel: “Precisa ser perto da praia, quero ir caminhando, e preciso pesquisar preços!!” – Ótimo, vamos fazer uma coisa de cada vez.
Ao fim de 3 telefonemas e 35 minutos, todos os problemas foram solucionados.
Esse efeito gerado pelo volume de tarefas envolvidas na resolução das próprias tarefas é chamado de maximização. É como se a percepção ampliasse, maximizasse os problemas envolvidos na execução das atividades. Elas ganham uma magnitude muito além da necessária, fazendo com que pareçam obstáculos inexpugnáveis.
Assim, resolvendo uma coisa de cada vez, e colocando em primeiro lugar as primeiras coisas, entregamos para nossa percepção uma visão mais favorável dos enfrentamentos que temos pela frente, dimuindo o medo e ansiedade.
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