Sempre tive uma quedinha por contar histórias. Mas ao pé da sua cama perdia o freio e parte do juízo. Nunca contava histórias de livros, sempre às inventava. Enquanto contava, sempre senti como se tivessem sido reais, verdadeiras, como se eu tivesse vivido cada uma das mentiras. Saia da casinha e não me impunha limites, como se a linha da realidade se rompesse junto com a plausibilidade. Enfiava o pé na jaca e era capaz de voar, atirar, correr, desviar de balas…. peixes então, sempre os maiores, e nos lugares mais difíceis.

Contava sobre ursos, piratas, batalhas, pescarias, caçadas, super-heroínas, bruxas, turcos, fadas, navios, ilhas, dinossauros….

E sempre vivi cada uma delas durante a contação, chegava a tal ponto minha empolgação, que passava uma semana reafirmando a história, procurando e demonstrando provas inexistentes de plausibilidade dos fatos inventados na noite anterior. Transformava as cicatrizes das peladas nos campinhos da infância em provas incontestáveis das lutas de espada com piratas e mordidas de tubarões e jacarés.

Era um mundo de aventuras que eu amava, sempre amei, desde o primeiro dia, de pé ao lado da cama, mentindo e curtindo uma história mentirosa falsa. Nas primeiras, ela acreditou, viajou no mundo irreal comigo. Encontrou mapas, fotos, provas, sinais, cicatrizes, lugares… Mas eu tinha um medo… ela vai crescer!…E esse meu mundo que só vivo nessas mentiras vai acabar… Não devia ter mentido!

Ela cresceu. Não acredita mais nas mentiras, em nenhuma virgula. Duvida até das histórias verdadeiras. Meu medo se concretizou.

Mas alguma magia aconteceu no pé da cama. Algum cheiro, algum toque, uma hipnose talvez.

Mesmo sabendo das mentiras, truques e enredos duvidosos, todos os dias ela me pergunta:

“Papai. Hoje vai ter historinha na hora de dormir????”