Tinha uma sensação de eterna insegurança. A insegurança começara cedo. De criança percebeu que o pai não tinha muito juízo com dinheiro e a mãe era desgovernada da moral e dos bons costumes. Seus irmãos, agressivos e sem limites, com freqüência forçavam-no a transformar o banheiro em seu único refúgio por horas a fio.

Quando começaram a despertar os primeiros gostos pelas moças da vizinhança, o pai, preocupado, mandou-o para um colégio interno no interior. A mãe em desespero, inconsolável com a mudança do rapazote, fugiu com sua amante e manicuro para outro estado (na verdade fugia de ser apedrejada pela vizinhança inconformada com suas bebedeiras). Seus irmãos logo esvaziaram seu quarto de suas coisas e fizeram uma bela fogueira na quermesse da igreja do bairro.

A chegada na vida adulta, forçou-o a assumir responsabilidades e deveres. Assumiu cargos e funções importantes, mandou e comandou grandes empresas e organizou indústrias e governos. Tornou-se um homem importante, de grande confiabilidade e respaldo social. Era considerado por muitos como um visionário.

Faz pouco tempo, encontrei-o num cafezinho da Rua XV, terno, gravata, sapato lustrado. Os cabelos grisalhos contrastavam com o suor na avantajada testa de quem já beira os 60 anos. As gotas desciam calmamente em direção ao lenço que a mão fazia esperar por sobre os olhos.

Percebi em seus olhos, aquilo que sempre me deixava transparecer, o medo e o cansaço. Queria sumir por algumas horas. Fingir que não existia que não era ninguém. Parar por um segundo com o teatro que havia criado para defender-se de sua insegurança. A máscara de grande homem parecia pesar não só no rosto, mas em toda a sua história. O café foi rápido, mas dele restou uma pescaria no sábado.

Quando cheguei ao rio onde sempre pescávamos, ele já estava lá. Camiseta velha para fora da calça, que era um jeans surrado, por cima da camiseta um colete velho e desbotado. A careca se escondia por baixo de um chapéu de catar ovo, suado e descosturado. A carretilha tinha linha nova e a caixa de pesca impecável. A botina cheia de lama.

O olhar ansioso me fazia apressar o passo. Caminhamos 40 minutos rio acima e, depois de uma tarde de pescaria em silencio absoluto, voltamos sem nenhum peixe. Rosto vermelho de sol, cheio de lama e o cheiro das iscas impregnado na roupa. Riu satisfeito: “a mulher vai ter um chilique! quando vir a sujeira não me deixa entrar”. E, com cara de moleque foi embora.

Quando entrou no carro abriu a janela e me disse: “nunca acreditei em mim, e por medo de não dar conta, venci na vida”. Riu, fechou a janela e foi de máscara na cara encarar a vida.