A moça tinha 36 anos, era bonita e até bastante inteligente. Tinha os cabelos bem compridos, castanhos, alisados com aquelas máquinas elétricas de grudar mulher na mesinha de cabeceira. Os olhos não diziam muito, eram um pouco perdidos, como se ela vivesse mais no além do que por aqui. Tinha um namorado que era da mesma igreja, namoravam há mais de doze anos. Estava esperando ter dinheiro para poder casar.

Ela era uma das primeiras fiéis daquela igreja naquele bairro, na verdade, a primeira jovem daquela igreja naquele bairro. O pastor tinha muito orgulho de apresenta-la, todos os domingo, como um exemplo para a comunidade. Mesmo namorando um membro da igreja já havia tanto tempo, nunca fornicara. Nunca caíra no pecado. E fizera o namorado aprender a respeitar isso.

Seu pai, um ex-alcóolatra, salvo por aquele barracão cristão. Seu irmão mais velho, encrenqueiro, drogado, sarnento, mal-criado, odiado e temido pela vizinhança foi salvo pelo pastor fulano (que hoje lidera o movimento da igreja em uma favela na baixada fluminense). Sua mãe, sempre doente e amargurada, foi a primeira a sentir o poder da cura pela salvação dentro daquele barracão.

O barracão, antes um velho depósito de papel de uma gráfica enorme no norte da cidade. Hoje é um pavilhão bonito e suntuoso. Tem até um salão para cerimoniais, onde os membros da Igreja se reúnem para prestar serviços a sua comunidade. Tem informática, inglês, corte costura, grupos de A.A. e N.A. e, até, cursos de aromaterapia e cabeleireiro.

Naquele fim de semana o pastor havia viajado para um retiro no interior de Minas. Foi com toda família, afinal, até o pastor precisa de um tempo. Era um retiro espiritual agendado com um ano de antecedência. Ele acontecia cada ano em um lugar do país e, o pastor, animado, queria garantir um encontro futuro nessa cidade.

Fulana havia conversado diversas vezes com a esposa do pastor durante aquela semana, estava radiante por estar por dentro dos detalhes da viagem. E, radiante, comunicava todos os detalhes aos demais membros da comunidade.

O pastor avisa na comunidade que uma nova pastora estava surgindo naquela igreja e que, nesse sábado, ela ministraria seu primeiro culto. Portanto, todos os fiéis deveriam comparecer na igreja no sábado de noite. Fulana ficara excitadíssima, começara o curso de formação religiosa um pouco descrente e, agora, quando ainda faltava 3 meses para terminar o estudo bíblico. Já recebera sua primeira missão. Um voto de confiança desses não é para qualquer um (como disse a esposa do pastor).

Numa outra igreja, três quadras ao sul. O padre estava começando a se irritar com os detalhes do preparativo para um grande casamento que ocorreria na igreja de sua responsabilidade. O salão paroquial, lugar da recepção oferecida pelos pais da noiva, estava cheio de mesas com toalhas chiques e não pode receber a turma da catequese. Os paroquianos, durante a missa de sábado de manhã, ficaram desconfortáveis e espremidos entre as flores e os castiçais que, desde o dia anterior, enfeitavam a igreja. O coral ensaiava com o órgão havia mais de uma semana as mesmas músicas, todos os dias, para cantarem no casamento. E, o que mais chateava o padre, um padre de fora, amigo da família do noivo, fora convidado para celebrar o casamento.

No sábado, sete horas da noite, um engarrafamento em frente ao “barracão dos crentes” atrasou em 30 minutos o casamento e, por volta de quinze para as nove, um estouro de fogos enorme, ocorrida na “igreja do pecado”, atrapalhou o primeiro culto de Fulana, bem na hora da celebração.

Na igreja de três quadras abaixo, o casamento, apesar do atraso foi muito bonito. Que fogos! E que vinho! Servido no salão paroquial, junto com canapés de uma doceira do centro da cidade, estava divino. Rogério, motorista contrato para levar o casal para o aeroporto, estava sendo chamado de transparis (local da lua de mel do casal) e, a certa altura, também começou a beber, por insistência dos familiares: “para nós todos são gente, mesmo gente pobre e sem jeito para as coisas, Teu tio Neco daqui a pouco toma umas e faz companhia para ele”.

No pavilhão, três quadras acima, o culto havia sido lindo, muito fiéis choraram e vieram parabenizar Fulana: “pena que na nossa igreja não tem santo, senão você seria uma”. Depois do culto, Fulana e o namorado, junto com algumas senhoras responsáveis pela manutenção da igreja, ficaram fechando o pavilhão e cantando alegremente. Louvando e agradecendo pela noite maravilhosa.

Perto de onze horas acabou o casamento, os noivos entram na limusine de Rogério (bêbado) e começaram a dirigir-se para o aeroporto. Devagar Rogério foi subindo a rua.

No pavilhão as últimas portas dos fundos foram fechadas quando Fulana e o noivo saiam de moto pelo portão da frente.

Exatamente quando eles saiam do portão a noiva os viu e avisou o motorista: “Pare!!!” com um grito forte e alto, levemente atordoado de álcool. Mas já era um pouco tarde e a noiva desceu correndo do carro e voltou em direção à moto. Parou olhou aquela cena e disse: “Você não é fulana?”, “Sou… Meu deus… que milagre… você é a Soraya… nós estudamos juntas no segundo grau”.

No hospital, Fulana não pode receber transfusão de sangue, sua recuperação foi lenta e dolorosa. Soraya não conseguia dormir há mais de vinte dias, visitando com freqüência a antiga amiga internada.

O noivo de Fulana não gostava dessas visitas, Fulana já achava que eram os desígnio de Deus. O marido de Soraya aproveitava as visitas para ir ao poker com os amigos: “ela sempre teve bom coração”.

Fulana acabou voltando para casa, ainda um pouco fraca, Soraya, ainda muito culpada a acompanhava com freqüência e, gostava quando encontrava na casa de Fulana, com o pastor do pavilhão. Boa palavra, muito acolhedor.