Nem era manhã quando ele levantou. Lá fora a lua ainda brilhava e faltavam horas para o sol esquentar. Não era preciso despertador nem galo, acordava aquele horário quase todos os dias. Vestia-se, sem luxo nem capricho, o mesmo short azul, velho e puído, uma camiseta branca de um político apagado pelo tempo e, por cima, uma jaqueta de náilon com cotovelos remendados e cor incerta.

Nos pés, chinelos de dedo, aqueles com propaganda de artista, mas sem gente bonita para ajudar a calçar. Enquanto a água esquentava na chaleira, preparou o pó no coador de pano e foi lavar o rosto molhar o cabelo e vestir o boné. Passou o café na térmica e o restou do coador para uma xícara de alumínio com dois dedos de leite e algum açúcar.

Pegou o balaio de sisal e uma mochila com a térmica e uma quentinha feita na noite anterior. Caminhou duas quadras até a praia no silêncio mais absoluto que os grilos e pássaros podem fazer. No areal já ouvia o burburinho das conversas.

Olharam-se, comprimentaram-se e jogaram os pertences dentro da canoa. Empurram-na em direção ao mar, sem ondas e escuro como a noite. De pé na canoa remaram em direção ao barco maior, colorido, mas não muito grande, sentaram-se os três, ligaram o motor e saíram lentamente da enseada, tendo como cobertura a lua e o fim da noite. Navegaram em direção à luz vermelha do sol nascente, a brisa da manhã gelava os lábios e as mãos. O mar quase sem ondas não borrifava contra o casco.

Da praia se ouvia o suave ronronar do motorzinho. Via-se contra a luz a silhueta do barquinho se perdendo por traz das marolas.